Uma criança é um ser frágil, indefeso, que precisa de cuidados. Vem ao mundo pequenina e tem sua personalidade moldada no decorrer dos dias. Portanto, aos poucos vai fazendo novas descobertas, aprendendo a engatinhar, a se alimentar, a caminhar, a conversar, a brincar e conviver em sociedade. Além disso a criança é pura e inocente, utiliza os sorrisos e as lágrimas como principais formas de comunicação, vê graça em coisas simples e sabe amar de verdade, sem exigir nada em troca. E o mais importante é o fato de ela ser livre. Livre do exibicionismo, do consumismo, da necessidade de cuidados com a aparência. Não tem vergonha de conversar, de gritar, de ser inconveniente. É a fase da vida em que vivemos muito mais a nossa própria identidade e somos mais fiéis a nós mesmos.
Mas vivemos em um mundo que, além de machista, é muito adulto. E nós, que já estamos aqui na fase adulta, cometemos diversas atrocidades com as crianças. Cada vez mais os pequenos estão vestidos e até maquiados como adultos, cada vez mais envolvidos em compromissos, cada vez mais com a agenda abarrotada, cada vez mais induzidos pela publicidade a serem competidores uns com os outros, cada vez mais sozinhos. É muito comum vermos os pais puxarem seus filhos quase de arrasto em ônibus e calçadas. A sociedade parece exigir pressa de todo mundo e rendimento máximo, então não se pode mais respeitar a velocidade dos passos de uma criança de 2 anos de idade com suas perninhas ainda curtas e frágeis.
Esta realidade ainda é branda diante do que fizemos com nossa própria criança. Para agradar a sociedade, nos tornamos seres mecânicos, iguais aos outros, sem originalidade. Nossa postura passa a ser mais séria e carrancuda, deixamos aos poucos de brincar, de cantarolar, de falar com estranhos e de acreditar no amanhã. Fazemos cada vez menos questão de ter algum aprendizado, nos julgamos independentes e capazes de fazer qualquer coisa por conta própria. Guardamos os sentimentos ou libertamos eles de formas pouco convenientes. Não queremos demonstrar fragilidade em nenhum momento. E o pior de tudo, carregamos a preocupação com o que os outros vão achar de nós, uma preocupação com a própria imagem que somente os adultos tem. O fardo pesado que somente os adultos carregam de ter que atender expectativas da sociedade, como ter bons relacionamentos, bons carros, bons empregos e boa aparência. Deixamos de dar valor às coisas mais simples e passamos a buscar conquistas aparentemente maiores e bens materiais, mesmo que eles tenham como resultados algumas fotos bem tratadas e um imenso vazio no peito.
Ser adulto tem se tornado tão maçante, pesado e depressivo que a maior parte deles investe parte daquilo que ganha em algum tipo de tratamento psicológico, buscando apoio para suportar melhor o fardo que carregam todos os dias. E ao buscar os motivos para tamanho desespero, as pessoas pasmam ao constatar que todos eles residem na criança que já cresceu fisicamente mas não conseguiu superar alguns medos e traumas daquela época. Logo, a solução acaba sendo, justamente, trazer aquela criança já trancafiada nos confins do nosso próprio ser de volta à realidade, e com ela todas as dores que ela ainda carrega. Algumas das linhas de tratamento psicológico buscam trazer à memória os traumas infantis para que eles sejam, enfim, resolvidos. Mas seria tão interessante rememorar também as alegrias, expectativas, sonhos e pensamentos dos tempos de criança...
A fase adulta é inevitável para o nosso corpo, que tende a tornar-se maior, mais velho e não tão belo como já foi outrora. Mas espiritualmente, nos tornamos adultos somente por opção. E para salvar nossos dias cinzas de um verdadeiro surto em meio ao caos em que transformamos nossa vida, precisamos deixar a nossa criança viver. Precisamos sorrir e chorar mais. Precisamos dar valor ao que é simples. Precisamos voltar a falar com desconhecidos. Precisamos voltar a brincar. Precisamos voltar a valorizar os pais como se fossem nossos heróis. Precisamos deixar de ter medo dos outros. E o mais importante de tudo: precisamos voltar a ter o coração aberto para novas realidades, a mente aberta para novos conhecimentos e o brilho de esperança no olhar, aquele brilho que sempre dava a certeza de que o hoje e o amanhã seriam sempre coloridos. E eles podem ser. Depende de nós.
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