Provavelmente, alguns dos leitores irão se identificar com a realidade apresentada neste texto. Outros, talvez, não compreendam. Pretendo falar a respeito de um problema que provavelmente ainda não foi batizado, mas que diz respeito ao fato de "orbitarmos" em torno de outras pessoas (especialmente as que nos maltratam)em lugar de viver nossa própria vida.
Esse problema geralmente começa ainda na infância, fase em que somos mais indefesos e carentes. Temos necessidade de carinho, cuidados e proteção, mas nem sempre nos sentimos acolhidos. Nossos pais ou responsáveis nos trataram com uma certa grosseria e dureza. Não podemos fugir das regras preestabelecidas para não corrermos o risco de ver a ira dessas pessoas que amamos. Ao mesmo tempo, sempre foi muito fácil vê-los irritados conosco.
Mas havia também raros momentos nos quais essas mesmas pessoas nos tratavam com algum tipo de carinho, resposta positiva ou gesto gentil, nos fazendo se sentir orgulhosos, nas nuvens. Uma sensação que a gente quer muito que se repita. Mas não se repete tão cedo.
Assim, passamos nossa vida toda orbitando em torno de nossos pais, pois eles garantem tudo o que precisamos, embora nossa autoestima fique bastante comprometida pela presença constante da instabilidade sentimental dos pais. Fazemos de tudo para agradá-los de algum modo, sendo esse um dos principais sentidos de nossa tenra vida. Mesmo assim, nem sempre funciona. Quase nunca, na verdade.
Essas crianças devem, com o passar do tempo, tornarem-se adultas. Mas, infelizmente, a criança continua lá, dentro do corpo do adulto. Se antes buscávamos agradar de algum modo nossos pais e seguir tudo aquilo que nos recomendavam, em algum momento nos sentimos perdidos diante da realidade de decidir nossa própria vida. Nem sempre conseguimos. E, infelizmente, nos aproximamos de situações e pessoas que nos propiciem a mesma realidade que tínhamos quando crianças: autoritarismo, comportamento rude e pouco carinhoso. Assim, parece que conseguimos confortar nossa alma.
Ao mesmo tempo, não conseguimos sair dessa triste realidade. Trabalhamos em empresas que nos exploram e não nos valorizam, de modo que damos nosso suor sem nunca sermos reconhecidos por isso. Nos aproximamos de amizades e relacionamentos tóxicos, nos quais nosso principal desejo é fazer o possível para agradar o amigo, sem sequer saber qual é nossa própria vontade (ou em detrimento dela). Procuramos nos divertir onde os outros acham melhor, moldamos nossa vida conforme padrões que os outros seguem, tomamos escolhas e rumos que outras pessoas já tomaram e, inconscientemente, tentamos ser vistos e agradar a todos que nos rodeiam.
Constatar essa realidade é simplesmente terrível. Afinal, repentinamente deixamos esse comportamento, na tentativa de viver conforme nossas próprias vontades. Mas, afinal, quais são elas? Percebe-se que foram tantos anos vivendo na órbita dos outros que, sem
isso, existe apenas um grande vazio. Não existem sonhos, não existe
personalidade, não há nada. Somos obrigados a criar uma nova vida a
partir do nada. E como iremos criar essa vida? Quais são, realmente,
nossas vontades?
Outra barreira se concentra no fato de que todas essas pessoas que nos rodeiam, acostumadas a serem bajuladas, provavelmente se revoltarão contra nós, não acharão justo, farão joguinhos e chantagens para que voltemos a rastejar por elas. Sobram pouquíssimas pessoas que realmente conseguem entender nosso processo de decisão.
Creio que, passado todo esse doloroso processo, é necessário deixar o coração quieto quando ele desejar se calar e dar voz a ele quando ele deseja falar. Geralmente ele tem resposta pra tudo. Também se faz necessário afastar-se temporariamente de boa parte das pessoas com quem convivemos, a fim de não contaminarmos todo esse processo com ideias alheias que podem invadir nosso interior. Em alguns casos, precisamos nos afastar em definitivo de pessoas que se aproveitaram de nosso problema para tirar proveito próprio (por mais que tenha feito isso de forma inconsciente). É preciso esvaziar a vida de fato para depois preenchê-la com todas as loucuras que o coração manteve escondido, mas que nunca investimos.
O mais importante de tudo é considerar aquele velho clichê: precisamos amar a nós mesmos, sem culpa. Nada é mais importante do que seguirmos nossos próprios sonhos. Ninguém tem o direito de nos impedir. Quem nos ama de verdade aceitará essa nova realidade e quem não nos ama sairá de nossas vidas. Somente assim deixaremos de ser vítimas e de conviver com tanta frustração e passaremos a escrever e dirigir com nossas próprias mãos o roteiro da vida.
AH, e esqueça aquela famosa frase do Pequeno Príncipe. Você não é responsável por aquilo que cativa coisa nenhuma. Você é eternamente responsável pelas expectativas que levantou sobre outra pessoa. Apenas isso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário