domingo, 7 de julho de 2013

O aborto de ideais e sonhos

Não, a ideia desta postagem de longe visa a discutir o tão polêmico tema do aborto de fetos humanos no início das relações por fruto de uma gravidez indesejada ou de risco. Embora seja eu contrário, há tantos pontos de vista a serem analisados que torna-se difícil estabelecer uma opinião definitiva. Mas quero abordar a forma como temos abortado tantas coisas em nossas vidas, sem entrar nesta longa discussão. 

Nossa vida é recheada de expectativas, desejos e vontades, por vezes muito simples. Volta e meia temos aquele desejo íntimo de mudar o visual. Aquela vontade de falar com alguém. O ímpeto contido de dar alguns abraços e beijos. Derramar algumas lágrimas. Rir descontroladamente em local inapropriado. Pisar na poça d'água. Fazer uma piada e tirar um sarro. Faltar o serviço para participar de um evento mais interessante. Ler coisas que não parecem acrescentar nada, por pura vontade e curiosidade. Vestir roupas malucas ou confortáveis. Falar com alguém que não vemos há anos, mesmo que essa pessoa não nos reconheça. Dar risada da cara do chefe e tratá-lo como um ser humano comum. Conversar com os colegas durante a aula e com o professor depois dela. Fazer uma viagem repentina. Deitar e rolar na grama ao meio dia numa segunda-feira sonolenta. Cantar no ônibus como se fosse a única pessoa que estivesse por ali. Pegar o telefone só pra dizer um "te amo" pra alguém. Viver como se fôssemos donos de nossa própria vida e pudéssemos escolher o que vamos fazer ou deixar de fazer aquele dia.

Temos também grandes sonhos, carregamos conosco desejos de alcançar grandes objetivos e realizações no âmbito pessoal, profissional e social. Desde uma posição profissional melhor à compra de uma casa ou um casamento.

O motivo pelo qual estamos na era do aborto é muito simples: desistimos com frequência de diversos desejos, sonhos e vontades todos os dias. Nos privamos, evitamos ceder ao nosso próprio desejo, pois vemos ameaçado o conforto da nossa rotina diária, vemos ameaçada nossa imagem perante os outros e, principalmente, vemos ameaçada a máscara que criamos na tentativa de mostrar nossa superioridade perante os demais. Naturalmente para realizar muitas de nossas vontades precisamos superar muitos medos, precisamos de alguns aprendizados e investimentos de tempo e esforço, precisamos correr riscos, cair de bunda, perder a paciência com os outros, ouvir comentários alheios contrários e muitas críticas. E o mais complicado de tudo é desapegar-se dos nossos atuais e ilusórios confortos do momento. Somos muito apegados à nossa rotina, mesmo que ela não seja feliz. E por conta de todos estes pontos e tantos outros, cometemos abortos todos os dias, pois abortamos desejos e sonhos legítimos que poderiam contribuir muito para nossa própria vida e para a vida das outras pessoas. Não nos damos a chance de ao menos experimentar ou começar um novo projeto ou uma simples ação de fuga, ceifando todas as possíveis experiências que poderíamos desfrutar por conta desta iniciativa. E é assim que condenamos nossa vida à mediocridade, ao falso conforto e ao falso sucesso, sem sair daquilo que é esperado pelos outros e considerado normal.

Admiro muito pessoas que não deixam suas ideias e seus pensamentos morrerem antes mesmo do nascimento, que arriscam, vão atrás, quebram a cara mas conhecem as consequências de suas próprias vontades. Não perdemos nada ao deixar nossos sonhos nascerem, devemos permitir a estes o direito de se realizarem. É fácil e cômodo desistir, mas é também como se um pedacinho de nós morresse. Por essa razão, fica a ideia de nunca abortarmos. Precisamos viver cada possibilidade para só depois julgar válida ou não cada experiência. Sempre ganhamos algo quando deixamos sonhos e ideias nascerem, mas o aborto nada nos acrescenta a não ser a dúvida que se perpetua a respeito do que teria acontecido conosco se tivéssemos nos permitido. A cada ocasião em que permitimos nascer uma nova ideia, um novo sonho ou um grande desejo, permitimos a nós mesmos a oportunidade de renascer.


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