domingo, 5 de maio de 2013

Exigências e seus excessos

Você conhece uma pessoa feliz e livre? Eu infelizmente não tenho nenhum exemplo a citar, eu mesmo não o sou. Claro, podemos até considerar a felicidade como algo raramente alcançado, mas sequer momentos de paz, alegria e plenitude estamos capazes de vivenciar. Todas as pessoas que conheço estão insatisfeitas. Várias delas chegam a lamentar o simples fato de existir. Não gostam do seu emprego nem do fato de ter que trabalhar. Não gostam de seus estudos, nem de perder tempo com eles nem de precisar deles. Não gostam de seu corpo e sua aparência e odeiam fazer esforços para mudá-lo. Se estão desempregados, doentes, em estado de luto, a situação se torna ainda pior. As casas deixaram de ser lares e quando as pessoas estão próximas, estão em pé de guerra. Geralmente ninguém para em casa, crianças com alguns meses de idade já  precisam ir para a escolinha, os pais negam-se a deixar sua vida profissional de lado. Não raro muitas mães, com medo de terem sua liberdade e seu corpo prejudicados, optam por ceifar a vida de seus filhos antes mesmo de eles se desenvolverem no ventre. Filhos mudam de casa e até de país para fugir. Cada um vive somente por si, competindo e correndo desenfreadamente atrás do melhor status social, por meio do emprego "melhor", da aparência "melhor", dos bens materiais e outros. E como a competição é cada vez mais acirrada, é preciso fazer cada vez mais para poder se manter no círculo: trabalhar feito louco, com muitas horas extras e nos finais de semana, estudar ainda mais loucamente ou fazer de conta que se estuda, ficar horas dentro de uma academia ou correndo por aí e comendo algumas folhas de alface. Não contente com a vida corrida e tediosa, arrumamos ainda mais compromissos e atividades. Até que percebemos que o dia de 24 horas é curto de mais e não fazemos mais nada direito. Trabalhamos pensando em dormir, dormimos pensando em trabalhar, estudamos pensando no trabalho, estamos em casa pensando nos estudos, estamos com os amigos pensando em ficar sozinhos, estamos sozinhos desejando a multidão, viajamos para muito longe sem levar nossa alma junto, que continua presa a tudo isso. Nunca vivemos o presente, estamos no futuro que nunca existirá e lamentamos o passado. 

Nesse cenário todo apontado, o mais incrível é crermos que esse é realmente o caminho para a felicidade. Por esse motivo, exigimos muito daqueles que nos rodeiam e ainda mais de nós mesmos. Exigimos dos outros que eles não se atrasem, que não encham o saco com seus problemas pessoais, que nunca chorem nem fiquem de mau humor. Não queremos que eles mudem suas vidas, nem que se afastem para não nos prejudicar. Não suportamos qualquer decepção ou atitude que nos desagrade, qualquer coisa é motivo para uma grande briga, desconsiderando tudo o que se viveu de bom anteriormente. Por isso mesmo é que nossas amizades são escassas, os namoros não duram e as famílias se separam ou vivem em crise: a exigência de um para o outro é tamanha que as pessoas não conseguem mais se suportar nem conviver com outro além de si mesmo. 

Entretanto, conviver consigo mesmo pode ser ainda pior, por que temos muito menos limites para nos punir e conseguimos ser muito mais cruéis conosco do que jamais seríamos com qualquer outra pessoa. A exigência é ferrenha, ainda mais por que convivemos conosco mesmo durante todo o tempo e não podemos simplesmente nos afastar de nossa própria vida - embora o façamos com frequência. Mas não nos permitimos uma paixão, uma noite de sono de pelo menos seis horas, um abraço, um carinho, um desabafo, um animal de estimação, lágrimas e todas aquelas infinidades de "fraquezas" humanas. Acordamos as 6 da manhã atrás de um sonho que nem nós mesmos estamos tão convencidos de existir, chegamos em casa perto da meia noite e ainda utilizamos a madrugada para correr atrás de diversas coisas, e ainda temos que escutar aqueles conselhos de auto-ajuda que falam que "o sucesso é feito de noite". Mas então é a isso que chamamos sucesso? Nesse período todo do dia, nos dividimos em uma série de tarefas. Só que não percebemos que estamos nos DIVIDINDO e não nos MULTIPLICANDO. Logo, nada consegue ser bem feito, nada é capaz de nos preencher, de nos orgulhar, de nos fazer bem de verdade, pois vamos até o superficial de tudo, nunca investimos tempo para ir a fundo em nada nem em ninguém. Nos comparamos com outras pessoas, e sempre nos vemos inferiores, justamente por que todos nós já perdemos a capacidade de mostrar nosso lado humano e preferimos acreditar e fazer os outros acreditarem que são felizes e fortes. Por nada sair bem feito, buscamos fazer ainda mais. A comparação complica ainda mais as coisas, e nos faz entrar em clima de competição. O mercado de trabalho está cheio disso, assim como há homens ou mulheres competindo entre si para ficar com alguém. Esquecemos, assim, que somos pessoas diferentes com problemas iguais, e nos tornamos escravos de nós mesmos, da nossa própria visão de mundo e da visão de ser humano que queremos passar e ser, sempre em destaque e sempre superior aos demais, cada vez mais voltado a si mesmo. 

As consequencias desse quadro não poderiam ser mais nefastas: insônia, depressão, ansiedade, déficit de atenção, síndrome do pânico, distúrbios alimentares e estresse, os males da sociedade moderna. Como se não bastasse o fato de a sociedade toda ter esse comportamento doentio, ainda somos convencidos de que estamos doentes e somos frágeis quando nosso próprio corpo e nossa alma não conseguem mais dar conta de tudo e acaba se prendendo em tantos problemas e exigências. Então, as drogas nos são apresentadas: álcool, maconha, cocaína, nicotina, ritalina, dopamina, serotonina, paracetamol, ácido acetilsalicílico, dipirona, cafeína e outras tantas fugas que nunca solucionam o nosso verdadeiro problema - apenas o amenizam e nos tornam mais dispostos para continuar o mesmo estilo de vida, sendo que é justamente esse o grande problema. Os consultórios de psicólogos não conseguem mais dar conta da demanda de todos aqueles que não conseguem estar física e emocionalmente preparados para suas próprias vidas e querem amenizar sua situação, mudando o modo de encarar as coisas sem querer mudar AS COISAS. Todos dão um jeito de fugir sem jamais conseguir, pois nosso real problema é querermos nos encaixar em uma sociedade e um estilo de vida puramente DOENTES.

E como viver de um modo diferente do apresentado? Abrir mão de tudo e jogar tudo para o alto também não é a solução. Mas a vida pode ser mais leve se exigirmos menos. É um exercício trabalhoso, mas muito simples. Trata-se de perdoar os equívocos, tolerar, aceitar os erros, permitir as situações, abrir-se às possibilidades, correr riscos propositalmente. Trata-se de não espremer tanto as horas do dia, e de sentir-se bem para fazer o que gostamos, seja lá o que for. É tentar conviver bem com as outras pessoas, com um sorriso no rosto. É tentar deixar de lado o desejo de ser melhor que os outros, desistir das correrias, não dar muita bola para a situação financeira, ouvir
mais "não" e saber dizê-lo no momento certo. É muito válido servir de exemplo e auxilio para quem está ao redor, e assim construir junto com outras pessoas muitos sonhos. O amor pelos outros e a paz consigo mesmo são ótimos caminhos, mas são caminhos que precisam muito de um primeiro passo, e é sempre aprimorado, mas faz muito bem. Então, estaremos no meio do caos e do colapso, mas nossa energia interna será sempre branda, ainda que tenhamos obrigações e exigências. Então, encontraremos um verdadeiro oásis dentro de nós.

GOSTOU DESTE TEXTO? Leia também:
A escolha pela liberdade
Intolerância: o mal do século

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Pesquisar este blog

Arquivo do blog