As incríveis inovações tecnológicas permitiram inúmeras facilidades á vida humana. Convivemos atualmente na era dos descartáveis. Garrafas, embalagens, copos, pratos, fraldas, talheres, guardanapos, papel higiênico, absorvente e vários outros produtos constituintes do nosso dia-a-dia são feitos para uso único e posterior descarte. Indo mais além, percebemos a generalização do ato de descartar em todos os âmbitos sociais. As roupas são descartadas com facilidade, os carros precisam ser trocados de tempo em tempo, os televisores, os móveis, os celulares e todo o tipo de quinquilharia que o ser humano precisa carregar consigo. E, infelizmente, os seres humanos e seus sentimentos tornaram-se tão descartáveis quanto um copo ou guardanapo, que se utiliza, extrai-se aquilo que servirá para o momento e posteriormente se deixa de lado como se não tivesse mais utilidade alguma. Enquanto os ambientalistas se preocupam com a quantidade de lixo gerada com os descartáveis, temo pelos seres humanos, que por terem perdido sua própria dignidade, tratam o próximo com igual frieza e desconsideração, como se ele fosse realmente um objeto de uso momentâneo e único.
A que se deve esse comportamento de descartar? As mesmas maravilhas tecnológicas que promoveram uma vida confortável ao homem serviram para destruir seu senso crítico, sua capacidade de pensar e sentir. O advento dos produtos descartáveis é concomitante com a era do consumismo acelerado e desenfreado. Desde que passaram a ideia de que a felicidade é comprável de diversas formas, o ser humano entrou numa cega disputa de egos e status, embora sem perceber. Recebe destaque na sociedade quem mais consome. Os meios de comunicação passaram a vender a ideia sob as mais diversas formas, vangloriando e valorizando as posturas egoístas e individualistas. Aprendemos a cuidar do nosso ego, a aprender o que é certo e o que é errado e achar que estamos sempre certos. Aprendemos a tomar propriedade sobre as coisas e sobre as pessoas, como se realmente alguma coisa material pudesse nos pertencer de verdade, o que dizer uma pessoa. Enquanto temos dinheiro, ganhamos o "poder" de fazer com que algo seja "nosso", o poder de ser bem visto, adorado, invejado e imitado.
Nossas relações, qualquer tipo de relação e com qualquer tipo de pessoa que seja, parecem ser contratos sociais onde sempre precisamos sair ganhando e jamais daremos um pouco de nós pelo bem do próximo. Nos desentendemos com os pais por eles não darem tudo o que queremos, nos desentendemos no trânsito por que queremos que nosso espaço seja respeitado, nos desentendemos nas amizades por acharmos que temos razão sempre, nos desentendemos nos relacionamentos amorosos por que amamos mais nosso ego do que a pessoa que está ali ao nosso lado. Parece que no fim das contas vivemos sempre em pequenas disputas políticas onde devemos sempre provar que somos mais fortes, onde pessoa de personalidade forte é aquela chata, birrenta, mandona e bardosa.
Aliás, os relacionamentos amorosos merecem atenção á parte. A sociedade patriarcal ainda espera que o homem seja de iniciativa e de pegada, ligado á safadeza, sem amor ao próximo e sem escrúpulos. Aquele que não segue essas regras é visto como homossexual. As mulheres, por sua vez, permitem-se agir dessa forma, e em sua grande maioria também ficam esperando serem pegadas e largadas pelos mesmos machões citados anteriormente. Seguem a regra social sem nunca tê-la questionado, perdem por completo todo o seu valor como ser humano e passam a ter status de mercadoria. Um homem não conta para os outros quantas vezes amou alguém de verdade, mas quantas mulheres passaram por suas mãos. O comportamento consumista e de descarte é transferido imediatamente para as relações, cada vez mais instantâneas, sem profundidade, que começam e terminam com imensa facilidade. Quando se fala em ouvir o coração, em amor verdadeiro e outros comentários do gênero, quem carrega consigo a ideia é praticamente trucidado, considerado uma pessoa de mente fechada, teimosa, ou que não sabe o que é o bom da vida. Ora, se o bom da vida é sair experimentando todas as pessoas que aparecerem na frente até achar uma que ao menos saibamos tolerar que nos traga alguma vantagem, prefiro ficar com o lado ruim da vida. O pior de tudo é ouvir dos outros que é preciso sim agir dessa forma por quem a sociedade é assim e precisamos segui-la. Quem disse que precisamos obedecer as regras? Para que elas servem? A vida é tão banal a ponto de vivermos o tempo todo em busca de interesses tão ridículos e seguindo regras tão sem sentido? Será que a capacidade de pensar do ser humano também lhe foi retirada?
Para completar, o ser humano segue cada vez mais insaciável, a tal ponto de sua ilusão de propriedade privada lhe dar o direito de descartar aquilo que bem entender e na hora que bem entender, a adquirir produtos e pessoas novas. Impressiona a velocidade cada vez maior que esse fato ocorre, e em como os produtos estão cada vez mais frágeis e sem qualidade. Seja os materiais como o homem. Afinal, aqueles que fazem parte desse ciclo de consumo e descarte não são constituídos apenas de uma mera embalagem sem conteúdo que pode ser usada, deixada de lado e utilizada posteriormente por outro? Como nos deixamos chegar a esse ponto, onde perdemos a noção do que estamos fazendo com nossa dignidade, respeito e amor próprio?
conosco tudo aquilo que representamos para os outros. Levaremos o cuidado que tivemos com o sentimento do outro. Levaremos todos os momentos em que soubermos amar de verdade, em que soubermos ser livres de verdade de todo esse consumismos, por mais raros e curtos que esses momentos possam ser. Por isso, paremos tentar ser invejados para buscar sermos admirados. Paremos de vangloriar nosso ego e saibamos nos desprender dele e nos colocar no lugar do próximo. Paremos de viver em constante disputa entre egos e passemos a somar forças. Paremos de comparar status e posses, e saibamos compartilhar e ser solidários com tudo o que nos cerca e que possuímos provisoriamente. Saibamos ser felizes tornando a vida de outra pessoa melhor, e não deixemos de crer num mundo mais aconchegante e mais livre.
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